Trilha Sonora

27 de abril de 2017

[26/04/2017] De boas intenções, o inferno e a universidade estão cheios*


Não se pode começar um discurso destes sem os tradicionais agradecimentos.

Minha gratidão a esta turma por destinado a este professor a honra de tê-lo como o vosso “paraninfo”, cuja missão principal, na condição de “padrinho”, tem a relevante missão de ofertar o “último conselho” para os que deixam a condição de formando para se tornarem profissionais.

Pelo costume, o paraninfo é escolhido pelo seu destaque no corpo científico da área de conhecimento dos formandos, com capacidade de despertar o que se chama de “carisma”.

No que tange à primeira dimensão, venho me esforçado, sim, para me inserir nesta difusa área da “Educação”, para consolidar o meu objetivo de me tornar o melhor professor de Sociologia da Educação que eu puder ser. Toda competição, com regras claras, é válida - inclusive por que não deixa de ser uma forma de solidariedade. Mas a principal delas é a que travamos com nós mesmos.

No que se refere a carisma, confesso minha surpresa, já que reconheço minhas extensas limitações de despertar em outras pessoas a mesma paixão que tenho em me manter desapaixonado pelos excessos de entusiasmo que costumam aflorar nos cursos de formação docente deste estranho país.

Isto porque - estes alunos podem comprovar - minhas posições e proposições docentes costumam ser bem diversas dos extremismos artificiais das polarizações que se querem radicais.

E isso, sabemos, não tem feito muito sucesso no universo facebookiano que a universidade vem se transformando.

Saliento, aqui, que não há, neste meu posicionamento, desqualificação alguma destas proposições que se querem “radicais” só por serem, na aparência, “extremas”.

Não. Muito pelo contrário.

Costumo aprender com elas. Só não consigo ter a mesma fé deles, especialmente no campo das “humanas”, em que me parece prudente adotar a perspectiva weberiana de que não há soluções fáceis para problemas complexos.

Isto, também vale ressaltar, não me traz nenhuma proeminência em termos de capacidade de “cognoscência” sobre as chamadas “questões sociais” - já que, também do ponto de vista weberiano, não é o lugar que se ocupa na sociedade que determina a validade de toda e qualquer teoria sobre os fenômenos que se investiga.

Para nós, o que vale é a qualidade do método e, especialmente, a forma de exposição do mesmo, para garantir a todo e qualquer observador as mesmas condições de análise daquele que afere.

Claro que o lugar que se ocupa tem relevância. Mas este lugar não garante por si a excelência nem a dignidade de qualquer aferição. E, observem, que aqui eu me apoio na premissa de um “grande herói” intelectual de esquerda, o filósofo francês Jean Paul Sartre: “tão importante quanto o que fazem da gente é o que a gente faz com que fazem da gente”.

Sob o exposto, resta-me aconselhar-lhes com o que venho repetido nos meus cursos de Sociologia nesta unidade da UFF, para esta turma de Pedagogia que foi a primeira a me abrilhantar com uma homenagem como esta – excetuando, portanto, a homenagem que me fez a primeira turma de Políticas Públicas há algumas semanas atrás, como um dos responsáveis pela criação do respectivo curso.

Repito, portanto, o elogio que vejo na premissa florestaniana, de que todo e qualquer profissional, inclusive os pedagogos, que deseja produzir algum impacto social através de seu meio de vida, deve ter a capacidade de conjugar, de forma efetiva, os preceitos de compromisso político e competência técnica que tanto advogam.

De acordo com essa premissa, a escolha do meio, e não dos extremos, é a mais segura para que os desejos de se desenvolver e desenvolver a sociedade sejam, da melhor forma possível, entrelaçados em uma trajetória individual e coletivamente promissora.

Afinal, vocês sabem, eu não acredito em indivíduos felizes em uma sociedade triste. E vice-versa.

Que vocês, portanto, em suas singulares trajetórias de vida e profissão possam ter o discernimento de conjugar suas diversas idéias e valores, sobre o que é bom ou não para o meio em que vivem, sem descurar das dimensões de habilidade, competência, disciplina e estratégia necessárias para a boa e efetiva execução de qualquer projeto que se queira “político”.

A opção obtusa pela competência, sabemos, gera um tecnicismo estéril que, geralmente, não tem noção do mal que causa por desconsiderar os sujeitos sobre quem atua. Por outro lado, a opção artificialmente radical pelo proselitismo político – que só vê inimigos a serem demolidos, e não adversários momentâneos passíveis de diálogo – costuma engendrar os mesmos males que supostamente imagina combater.

Afinal, como aprendi com a mais importante intelectual desta UFF, a minha mãe, Gracinda Marques de Oliveira, copeira terceirizada por mais de 20 anos, “de boas intenções o inferno está cheio”.

Eis, por fim, o meu grande desejo que justifica eu estar por aqui: “Que esta universidade não se torne um outro tipo de inferno”. Que seja, portanto, um lugar que respire muito mais do que pretensas “boas intenções”.

Que seja um lugar, portanto, de verdadeiro debate democrático, a partir de posições que reflitam e respeitem, na medida do possível, toda a diversidade presente na sociedade brasileira.

Afinal, também sou contra uma Escola sem Partido. Mas sou especialmente contra a todo e qualquer projeto de Universidade de Partido Único.

Afinal, como Caetano Veloso, eu sou um "liberal babaca".

Obrigado pela lembrança.

Marcos Marques de Oliveira

* Discurso de agradecimento [versão original].

1 de abril de 2017

[Sociologia da Educação II] As origens da educação no Brasil...


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Prezad@s,

Para melhor compreensão das origens do sistema educacional brasileiro, que tal pensarmos como era o "Brasil" quando ele não existia? É o que pode ser exercitado com a leitura do livro A função social da guerra na sociedade tupinambá, de Florestan Fernandes, que traz no seu prefácio a seguinte análise de Roque Laraia de Barros :

"A sua minuciosa análise comparativa das informações dos cronistas torna possível ao leitor a compreensão do ritual e, principalmente, entender por que a vítima conhecia como devia agir em um tão complexo cerimonial, no qual tem que demonstrar coragem diante da morte e explicitar a certeza de que um dia ele também será vingado. Os tupinambá possuíam uma unidade lingüística e cultural, mas eram constituídos por numerosos grupos com autonomia política — desde que não existia um poder central — entre os quais as guerras eram freqüentes. Muitas vezes, o executor e a vítima eram unidos por laços de afinidade. Em suma, os tupinambá buscavam as suas vítimas nos mesmos grupos em que procuravam as suas esposas".

Florestan, portanto, ao invés de uma visão idílica e exótica, adota um arguto olhar sociológico sobre essa importante civilização dos trópicos, colaborando para o seu entendimento em si e, ainda, como ponto de partida para possíveis futuras reflexões sobre o que aconteceu após os contatos étnicos com os povos provindos da Europa.

Assim como em A integração do negro na sociedade de classes (conferir aqui um artigo meu sobre o tema), Florestan nos deixa a importante lição de que nosso compromisso político com os "condenados da terra" só se fortalece quando adotamos um ponto de vista científico rigoroso e competente, sempre (e weberianamente) no limite do possível, mesmo quando traz à tona elementos complexos que costumam não fazer parte do senso comum "acadêmico-militante".

Na esteira gramsciana, é aqui que ele reforça a relevância do dito: "só a verdade é revolucionária". Isto porque é preciso reconhecer que, depois de todo e qualquer contato, "nós" e os "outros" já somos uma coisa terceira. E, assim, sem a possibilidade de retorno ao que já não "somos", resta-nos buscar um caminho novo de entendimento, tolerância e inovação de toda e qualquer tradição.

Talvez, desta forma, consigamos não cometer os erros que os mito do desenvolvimentismo, seja em sua expressão de esquerda (conferir o filme Belo Monte - Anúncio de uma guerra) ou sua expressão de direita (conferir o livro Os fuzis e as flechas), insistem em perpetuar.

Nesse sentido, vale conferir o ensaio "O que aprendi com os ETs", do físico Marcelo Gleiser, assunto para o nosso próximo encontro...

Até lá!

Marcos Marques

[Agenda] II Seminário "Sistema de Cotas na Educação Pública"

Inscrições abertas para o II Seminário Sistema de Cotas na Educação Pública, que acontecerá na UERJ de 22 a 24 de maio de 2024. Estaremos lá...